2011/08/11

Quando o namoro azeda

Pareceu-me uma análise interessante e resolvi publicar aqui:

"Um namoro começa bem e depois vai-se desboroando, porque não há bela (ou belo) sem senão. É a vida, diria o Guterres.
É assim nos namoros, é assim na política.
Isto a propósito do namoro com o actual Governo, que está a azedar tão depressa que até nos faz tropeçar de estupefacção.

Vamos lá ver: toda a gente sabe que as restrições impostas pela troika são violentas e que o Governo é de direita – ou seja, filosoficamente a favor de um pretenso mérito dos mais capazes em vez da pretensa solidariedade da esquerda pelos menos favorecidos.
Toda a gente sabe que é para sofrer nos próximos anos.
Toda a gente reconhece que são precisas mudanças profundas no sistema, sempre dolorosas.

Segundo os vários estudos de opinião, a grande maioria das pessoas sabe tudo isto e está preparada para enfrentar as vacas magras, ou porque não tem outro remédio, ou porque acredita num futuro melhor.
Esse capital de boa vontade, está o Governo a desbaratar a uma velocidade estonteante. E, ao que parece, está-se nas tintas para a boa vontade.

Promessas, havia muitas. Mas vejamos resumidamente as decisões:
Redução para 20 dias por ano da indemnização por rescisão de contrato, com a desculpa de que faz crescer o mercado de trabalho (deveria ser precisamente o contrário, maior facilidade em despedir com maior indemnização).

O imposto sobre o subsídio de Natal, que inclui os recibos verdes e exclui os ganhos de capital. As pessoas a recibo verde, que têm uma situação parecida com a dos servos na Rússia czarista (menos a garantia de trabalho) vão pagar imposto sobre um rendimento que não recebem. E os rendimentos em acções e outros investimentos ficam isentos, “para não afastar os pequenos investidores”.

O aumento substancial dos transportes públicos e a anulação dos reembolsos no SNS. Não é preciso explicar a quem isto atinge. No entanto não se viu nenhuma regra sobre a redução das frotas automóveis e salários dos gestores de topo nas empresas públicas.

O aumento do IVA para compensar uma descida na TSU. Quer dizer: um alívio para as empresas, com o pretexto caricato de que assim contratarão mais, e que será pago igualmente por todos, especialmente os pobres, que sentem muito mais os aumentos do IVA.

Paralelamente a estas decisões lapidares, temos ainda os casos gritantes:
Nomeações politicas para a administração da CGD, na forma do costume. Nem houve a preocupação de justificar porque é que Nogueira Leite foi nomeado para VP da Caixa (também não é preciso: todos sabemos que, tendo ele participado no programa de Governo, era preciso compensá-lo por não ter recebido nenhum ministério).

Venda surrealista do BPN aos angolanos através dos bons serviços de Mira Amaral, um ex-ministro que já recebe uma reforma imoral da CGD, mas não lhe chega.

Nomeação do sempre-em-pé Santana Lopes para administrador da Misericórdia, um homem que não tem qualquer experiência de administração e com uma folha de serviços política que já custou milhares de milhões de euros ao contribuinte, desde os subsídios teatrais na Cultura (quem se lembra?) até à deslocação de ministérios para fora de Lisboa, passando por deixar a CML com um défice nunca visto.

Por outro lado, as medidas que realmente se impunham, ainda estão por vir: redução de facto das mordomias e instituições parasitárias do Estado (baixar o ar condicionado do MA não chega); propostas concretas para a Justiça e Educação.

Pois é, a bela, que parecia tão querida e cheia de boa vontade, conseguiu em pouco mais de um mês mostrar como é – e como vai ser.
E nós que queríamos tanto acreditar nela!"

publicado por Perplexo (José Couto Nogueira) http://perplexo.blogs.sapo.pt