2014/06/01

RAIVA, FRUSTAÇÃO, REVOLTA, TRISTEZA…


Passado tanto tempo, aqui estou eu de novo de volta ao tasco, neste lugar intimo onde desabafamos as nossas inquietações, sem saber se alguém vai ler, mas simplesmente para desabafar quando o sono não chega na noite e quando a frustração, enfim…

Hoje da solidão da minha janela, olhei o céu e vi mais uma estrela a brilhar...
 
É estranha esta vida, e dói quando é interrompida sem o ciclo estar completo, quando ainda temos algo para dar… é triste por ser nosso amigo e ainda mais triste por ser o Pai de um dos Nómadas.

Faz-me pensar em todos os familiares e amigos que já vi partir e recordo cada um deles com eterna saudade e guardo um bocado de cada um deles no meu coração.

Esta doença maldita que nos leva sem escolher raça, côr, credo ou idade. Só tomei consciência dela no dia 16 de novembro de 2006, certamente até hoje o dia mais triste e a maior frustração da minha vida. Recordo cada momento, desde o dia 29 de junho em que soube a notícia que a nossa amiga tinha vindo para Santa Maria, para ser operada a um tumor na cabeça. Mas o que é isso? Certamente vai ser operada e fica bem, pensei eu... Já mais à frente após a segunda operação e após as visitas no hospital e poucos dias antes do desfecho, para mim ainda era impensável que abalasse, não fazia sentido após tantas rezas, tantas preces, simplesmente não podia acontecer… mas aconteceu e nunca publiquei o que senti porque é blasfémia.

Com o passar dos anos vamos ficando com maior experiência da vida e a partida do Pai do nosso amigo não me apanhou tanto de surpresa, mas nem por isso se torna menos dolorosa.

Perder alguém é uma experiência que nos marca para toda a vida, fica-nos gravado na memória, é uma tatuagem para todo o sempre, que ninguém vê, mas que nós sentimos para sempre… lembro-me do meu Bisavô Barreto que faleceu quando eu tinha uns 6 anos, recordo-me de ver a minha Mãe a chorar à porta do antigo Hospital de Albufeira, do meu tio Bisavô  Joaquim, que andava Eu a jogar à bola junto à cabine nas traseiras do prédio, quando me chamaram a casa e me deram a notícia, da minha Bisavó Alice, já teria Eu uns doze a treze anos, no dia em que eu tinha comprado um rádio gravador, que insisto em ficar com ele devido a essa infeliz coincidência, da minha Tia Avó Deonilde, já teria uns 16 anos e que desatei a chorar que nem uma criancinha pequenina quando soube da notícia, do meu Tio Isaurindo, outro que não completou o ciclo e quando assim é custa sempre mais, um AVC que o levou em 2002 na casa dos 50 anos, soube da notícia quando estava no trabalho. Da nossa amiga Vera, quando estava no trabalho e me pediram para avisar o Sr. Joaquim que Ela estava a despedir-se desta vida, inesquecível… depois de dar a notícia, perguntaram-me coisas do trabalho e Eu simplesmente só abanei a cabeça e não fui capaz de abrir a boca o resto do dia… Hoje foi o Sr. Joaquim Carvalho, uma notícia que infelizmente e dada a experiência da vida não me apanhou de surpresa. Para mim foi uma honra poder ter conhecido e compartilhado momentos da minha vida com o Sr. Joaquim, que deixou como maior legado os dois filhos magníficos que tem e que Eu os adoro e a quem lhes expresso os meus profundos sentimentos, assim como à sua esposa.

Talvez alguns de vós se perguntem como é que ele tem há vontade para falar destas coisas…, simplesmente porque confio em vós para desabafar e para mim vocês são uma verdadeira família e é um orgulho ter-vos a todos como amigos.

A vida ensinou-me a encarar a morte como o início de uma longa viagem… acreditando nisso sempre me senti melhor, quem deixou a terra, abalou para um mundo melhor e sei que um dia nos voltaremos a encontrar.

Já senti e pensei que teria de partir antes de tempo e lembro-me que acatei com resignação e com conformismo, lamentando apenas saber que não poderia ver a minha filha crescer, mas sabendo que estava muito bem entregue à mulher fantástica que tenho.

Como nunca se sabe o que nos espera, se algum dia tiver de abalar primeiro, só vos peço que apoiem as minhas duas princesas e que cumpram o texto que escrevi há alguns anos atrás e que se lembrem da forma de como Eu vivi e não daquela como morri.

 

A LONGA VIAGEM

 

Parti para a longa viagem,

Parti sem ninguém saber,

Nada levando na bagagem,

Nada deixando por fazer,

 

Com amigos bebi,

Com amigos me embriaguei,

Levo deles a saudade,

E a saudade deixarei,

 

Embriagado de amor por elas,

Por elas me apaixonei,

Deram-me longas noites de dor,

Deram-me longas noites de prazer,

A nada fui obrigado,

Tudo o que fiz foi por querer.

 

Agora que abalei,

Não quero lágrimas ou flores,

Quero risos e alegria,

E as garrafas a escorrer.

 

Quando nos reunirmos novamente,

Na nossa ultima morada,

Brindaremos outra vez,

Ergueremos os copos,

E tudo tornará a acontecer,

Da noite nascerá o dia,

E voltaremos a viver.

2000.06.11