2007/05/22

O Belo e a Bela

Não posso adiar o amor

Não posso adiar o amor para outro século
Não posso
Ainda que o grito sufoque na garganta
Ainda que o ódio estale e crepite e arda
Sob montanhas cinzentas
E montanhas cinzentas

Não posso adiar este abraço
Que é uma arma de dois gumes
Amor e ódio

Não posso adiar
Ainda que a noite pese séculos sobre as costas
E a aurora indecisa demore
Não posso adiar para outro século a minha vida
Nem o meu amor
Nem o meu grito de libertação

Não posso adiar o coração

António Ramos Rosa

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A MINHA TRAGÉDIA

Tenho ódio à luz e raiva à claridade
Do sol, alegre, quente, na subida.
Parece que minh'alma é perseguida
Por um carrasco cheio de maldade!

Ó minha vã, inútil mocidade,
Trazes-me embriagada, entontecida!...
Duns beijos que me deste noutra vida,
Trago em meus lábios roxos, a saudade!...

Eu não gosto do sol, eu tenho medo
Que me leiam nos olhos o segredo
De não amar ninguém, de ser assim!

Gosto da Noite imensa, triste, preta,
Como esta estranha e doida borboleta
Que eu sinto sempre a voltejar em mim!...

Florbela Espanca

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NECROSE

Sinto Saudades de mim,

De ti

E do Anjo que também vinha

De acrescento

E se sentava à nossa mesa e bebia e fumava

E depois desaparecia

Em nuvens de medos...

E eu bebia do teu copo e descobria os teus segredos.

Kurva



3 comentários:

Rui Santos disse...

Obrigado por um dos post mais bonitos que foi colocado no nosso blog.
Digo isso porque sinto alguma melancolia nestes poemas e eu hoje sinto-me melancólico com saudades da minha terra e das minhas raízes. Dei por mim a ouvir os Iris e a suspirar com saudades da minha terra e das minhas gentes.
Vieste ajudar ao meu estado melancólico dando-me conhecimento de mais um poeta Algarvio, que eu não conhecia.
O poema da Florbela também é lindo e o teu merece estar entre os outros dois.
Por ultimo outro motivo pelo qual eu gostei bastante deste post, é devido ao facto de ser todo escrito em Português e sem k's. Não há duvida que a poesia e a lingua portuguesa são as mais bonitas do mundo.
Saudações Lusitanas

Anónimo disse...

Ainda bem que gostaste... São dois poetas que aprecio muito, para além do Eugénio de Andrade, Mário de Sá Carneiro, Pessoa e Hélia Correia, que escreve poesia em prosa...

Há instantes na nossa vida assim... Carregados de melancolia... E é nessas alturas mais baixas da vida que, por nos sentirmos mais expostos ao resto e aos outros, se torna mais fácil pegar no papel e na caneta.

É uma forma de acalmar, dar à luz um poema meu. Por isso, foi com o maior prazer que li o teu elogio. Obrigada.

Saudações Lusitanas. Sempre.

Rui Santos disse...

Tal como referi achei o teu poema muito bonito e carregado de sentimento.
Concordo perfeitamente contigo, quando dizes que é nas ocasiões em que nos sentimos em baixo, que se torna mais fácil desabafar com a escrita, comigo acontece o mesmo.
Mas não te deixes levar pela melancolia, porque se hoje o céu está nublado, amanhã o sol brilhará.